quinta-feira, julho 26, 2007

Otacília

Penso na Tatá e a mordida me vem à cabeça, ou melhor, na bochecha. Eu estava lá pelos 6 anos sentada em frente da casa da Cecília quando ela apareceu, me abraçou, apertou, beijou como sempre fazia e me mordeu. Meus olhinhos se encheram de lágrima, ela percebeu e se desculpou, eu acho que não chorei, mas fiquei com vontade. Foi na época da escolinha, ela dava aula onde eu estudava, e na mesma época fomos num parque de diversões, depois da montanha russa aprendi a escolher, e escolhi que se um dia eu fosse em algum desses parques jamais eu iria na montanha russa, nunca mais fui.
Ela sempre carregava livros, pra cima e pra baixo, com suas saias longas. Ficava lá com a tia Maria, onde eu passei praticamente toda minha infância, e sempre me presenteava com livros de poesia e contos, livros que ainda habitam minha prateleira com orgulho. Ela é uma das grandes personagens influentes na minha história, está presente mesmo antes do começo e continuará até depois do fim, o último ponto não depende de mim.
Tatá, essa VEZ foi sua, é única mas não a única. Te amo muito titia fofucha!!!

quarta-feira, julho 18, 2007

Conversa no ônibus

- Seu Zelão, como vão as coisas pro senhor?
- Ô compadre Maneco, vai indo graças ao bom Deus, e com o senhor?
- Na graça do Senhor também. Agora deixa eu lhe conta uma coisa, o senhor nem imagina o que me assucedeu nesses dias. O senhor se alembra da Rita Maria, a Ritinha...
- Ah, a mulher do Seu Miro?
- A mesma, mas corrigindo... Ex-mulher, meu amigo, ex.
- Minha nossa, mas o que assucedeu-se com os dois?
- O senhor deve de se alembrar também daquele fulaninho que rondava pelas banda da casa dos dois, o tal que vivia por aqui em São Paulo, e foi lá pra visitar a família... Esqueci o nome do bendito.
- Eu me alembro sim, mas só de vista, rapaz bem aparentado.
- Pois é, eu podia jurar que a dona Ritinha tava é tendo um causo com ele...
- Minha nossa que é acusação muito grave.
- Pois é, mas eu que não ia afirmar tal coisa sem ter certeza. Pois perguntei pra Rita e...
- Ela confirmou. Que vergonha.
- Negou, ela negou tudinho de pé junto e ainda disse que amava Seu Miro.
- Pois então compadre Maneco, porque a certeza?
- Vai ouvindo... Uns meses depois, o fulano voltou pra São Paulo como era de prometido, não demorou muito e Ritinha decidiu passear por aqui também.
- Vixi, já to vendo.
- Ela soube que eu tava trabalhando aqui e veio atrás de mim pra saber se eu sabia de alguma coisa do fulano.
- E o senhor sabia?
- Mas claro que sabia, sou homem bem informado, sei de tudo que se assucede.
- Entendo, perguntei porque São Paulo é grande do tamanho do mundo e a gente nem sabe da gente mesmo quem dirá dos outros.
- Pois eu sabia e sabia de mais, e foi aí que ela me perguntou e eu tive que responder coitadinha.
- O quê?
- O que ela perguntou ou o que eu respondi?
- Uai, os dois homem.
- Ela perguntou do tal, se eu sabia por onde ele andava, e eu respondi. E foi aí que tive a confirmação.
- Mas respondeu o quê Seu Maneco?
- O homem bateu as botas, não durou nem muitos meses depois que voltou. Na hora que eu disse isso a mulher quase caiu pra trás de tanto desgosto, e me perguntou se foi morte matada porque ele parecia muito saudável e ela pensou que Seu Miro descobriu tudo e quis matar o rapaz, isso ela não falou não mas por certo de que é assim que ela pensou. Mas meu amigo...
- Quê?
- A mulher caiu pra trás mesmo foi depois que eu disse que foi morte morrida, morreu de Aids o desgramado, a bicha saiu xingando o rapaz e a família até a quinta geração. Que confirmação melhor que essa o senhor há de querer?
- É, que história hein. Pobre do senhor Miro, mas que bom que se livrou da cobra.
- Livrou nada, sabendo o sucedido a mulher voltou pra casa e o marido aceitou, nunca soube de nada o coitado.
- Minha nossa, que Deus olhe por ele. Então até qualquer dia desses Seu Maneco, valeu o papo.
- Até Seu Zelão, depois eu conto o resto, que o causo só começo, o senhor não se alembra que eu disse ex-mulher, ex?
- Então até outro dia compadre Maneco, até que já é meu ponto.

quinta-feira, julho 05, 2007

Conversa de bois

- Podemos pensar como o homem e como os bois. Mas é melhor não pensar como o homem...
- Por que é que tivemos de aprender a pensar?...
- É engraçado: podemos espiar os homens, os bois outros...
- Pior, pior... Começamos a olhar o medo... o medo grande... e a pressa... O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho... É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor - tudo, pensado, é pior...
João Guimarães Rosa