quinta-feira, abril 16, 2009

Testamento

O que me ocorre é que o mundo pode acabar.


As pessoas tranqüilamente seguem suas vidas, com suas rotinas, seus estudos, suas tarefas, seus romances. Seguem o vício que a sociedade empreguina, ouvem buzinas no trânsito, vêem poluição, mortes, acidentes, guerra, fome, injustiça... e suas vidas seguem tranqüilas.
Do escritório para os estudos, dos estudos para casa, da casa para o escritório. Se isso mudar, só muda a ordem. Quando não, tira-se os estudos e bota-se um lazer com a família (Televisão).
Horas na frente de um computador, um horário a ser cumprido no trabalho, reclamações, solicitações, discussões e tudo é tão... normal. A normalidade me entristece, mas é fundamental para minha loucura.
Figuras estranhas, aquelas que andam falando sozinhas pelas ruas, mal vestidas, contando causos aos seus amigos invisíveis, ou apenas observando o movimento alheio, como se tudo fizesse parte de outro planeta, um planeta onde elas são isoladas e não vistas, mas estão ali, fazem coisas como se os outros não as vissem... Essas pessoas, para mim, tornam-se cada vez mais alvo de minhas especulações. São para elas que olho quando me ponho a caminhar, para a mulher que lê atentamente as letrinhas miúdas num livro de anatomia, para o homem sentado em um monte de lixo lendo o jornal da manhã, para o violonista colocando as cordas no seu violão recém pronto, feito por ele mesmo com restos de madeira, para o senhor de idade deitado na calçado esperando dar 18 horas para buscar a sua marmita.
É tanto que o homem tem para acrescentar ao homem. Não fazê-lo seria egoísmo, e não quero amargurar com uma idéia não realizada. As idéias tomam conta dos sonhos e elaboram os projetos de vida, o tempo passa, as dificuldades aumentam e as idéias secam por não serem regadas. As pessoas desacreditam delas mesmas e arranjam tantas desculpas para justificar qualquer coisa que as ponham em risco. Viver já é um risco, não permitir-se às conquistas é aceitar a derrota, é dizer não aos sonhos, aos desejos.
O que me ocorre é que o mundo pode acabar, e o que terei feito até lá?
Não tudo o que queria, mas nunca tudo o que pude. Fui além, quebrei barreiras, instituí valores, amei a vida, tive amigos, dois cachorros e vários gatos, eduquei um rato, joguei baralho, fiz arroz, dancei, atuei, fiz amor, amei, amo... Nós sempre podemos mais do que imaginamos que podemos. Poder está além do que se pensa. Muito deixamos de fazer com o medo de não conseguir, mas se não tentarmos...
O medo mantém os pés no chão, mas às vezes, é preciso voar.

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