quarta-feira, fevereiro 28, 2007

"Os outros somos nós"

Olhava adiante à procura de algo. Sentiu uma saudade... Talvez fosse um sonho, uma vontade desconhecida, não lembrada. De certo modo ela a via - Ana: com as mãos palpadas de cócegas, olhos inchados de susto, orelhas pregadas de surdo. Olhava adiante à procura de algo. Não poderia perder o tempo, a hora era precisa, não voltava - só ia. Foi rumo ao guarda-da-roupa, pediu-lhe licença e abriu-lhe a porta. Encontrada a mala, tirou-a pra rua e ajeitou-se-os-pertences. Do nada ouviu uma música, baixinha... Parada. Vinha de uma caixinha, deitada na penteadeira. Era a casa da bailarina, a que girava como que para esquecer seus medos, espantos, tormentos. Com uma saia arcada de rendas, e seu colam rosado de sede, pareceu-lhe menina criança da história, surgindo no alaranjado. Passou correndo, atravessou o quarto como que fuga de espantoso desespero. Parou num canto. Ficou muda.

- Não deveria ter medo por uma coisa tão bonita.
- Mas e se eu não conseguir? E se não dar certo?
- Não vai saber se nunca tentar.
- Dizer é fácil - como todos dizem - até eu.
- Importa o que você diz. (...)

Tormento. Encarou-se. Teve dúvida. E de novo tudo cinza...
Era saudade dela mesma.

"O inferno são os outros" - Sartre

Parou quando olhou pra resposta. Estava ali, de pé, parada a porta. Aproximou-se como que ia dizer, mas travou a língua da boca na esperança de antes ouvir. Pensava estar louca, por quê? Não deveria ter pensado no antes tudo? Ter programado... Ela sabia. Chegou a compor em sua mente o que poderia ocorrer. Mas preferiu fugir - era só uma hipótese - ainda estava pra acontecer, nada certo, nada profetizado. Olhou novamente pra porta, e ali ainda parada, sua meninice ocorreu-lhe no vão da memória. Sentiu-se tomada pelo vazio... O que tinha feito até agora? Qual era seu papel no palco-mudo? E ainda com a carta nas mãos, levantou-se e foi até ela. Reparou no bonito vestido, muito parecido com um que tivera na tal da infância, era xadrez alaranjado, com riscos finos - verde e vermelho - traçando as retas verticais e horizontais que formavam os quadrados. As cores misturavam-se transformando o ambiente em um novo mundo. Viu-se numa casinha de bonecas composta de "sonhos", e ainda contemplando toda a magia assustou-se - consigo.
- Papai me deu no Natal passado, eu gosto dele...
- Do seu pai?
- Também.
- Então... Do que você gosta?
- Do que você gosta...!
- (...)
Levantou-se do susto e num piscar de olhares tudo voltara como antes. Cinza, escuro, pequeno. Deitou a carta nas mãos e mais uma vez caminhou com os olhos sobre a tinta. Então, sem ter terminado, foi interrompida por uma gargalhada de quem se diverte. Virou-se e parada a janela avistou-se - senhora. De onde vinha toda aquela gente? Não se importava... Sua única preocupação a decisão que a esperava. Foi até a janela e olhou bem pra ela. INVASÃO.
- Os olhos são as janelas da alma... Quando se quer não se sabe, quando se sabe não vê. Mas se os fecha, ainda assim você me vê.
- O que faz aqui?
- (...) Me perdi. Vi a menina do medo crescer... Faz tanto tempo...
- Quem é você?
- (...) Com o pé no futuro sempre estive, ali pensei que fosse ficar... O resto do corpo se acostuma, fica pra trás e quando nos vemos... Ah, passou tanto tempo...
A voz pareceu, sumiu. Foi indo fina como os traços do vestido de Ana. A tristeza bateu a porta e tudo ficara escuro. Estava ela, parada, aflita - sozinha.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

"Es muss sein..." - Kundera

Ana desceu a escadaria e foi de encontro à porta. O mensageiro não se conteve com seu atrevimento a tomar-lhe a carta. Virou-se, foi embora. Nada mais importava... O que esperara em tantos dias agora estava em suas mãos. Rasgou o envelope entusiasmada, tremia deveras até o momento da leitura. Parecia descer por cada parte a ansiedade - ora parava na orelha e caia no dedão do pé, ora no olho ainda com a secreção matinal. Depois de correr com os olhos no papel, as pernas fracas escorregaram rumo ao chão como que resposta à fraqueza da alma. E agora? Como seria?
Ainda caída, desajeitada... Subiu ao alto da lembrança. Olhou pra trás quando criança, e a coragem apareceu. Afinal, era uma chance! Levantou do desespero, subiu pro quarto e ali parou. Ficou instantes a contemplar seu lugar - bagunçado e pequeno. Se alguém lhe perguntasse se ela era feliz, jogaria a culpa no 'quarto' e diria que ali sim. Sentou na penteadeira, levou um susto. Seus olhos a observavam como que nunca - antes. Diante daquele esboço, suas mãos se encontraram com mais duas do retrato. Faziam movimentos tristes e entusiasmados, como quem descobre algo muito importante - ela se viu. Através de um reflexo, quase que apagado, descobriu um ser mais ou menos inanimado. Não sabia o que fazer, ver, escolher. Encarou-se por momento, e perguntou-se: Quem é você?!

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Beijo-não

Quer-me beijo amigo meu
Quer-me beije se quiser
Pois se queres dá no pé
Já tem boca beijo-eu

Já sem boca beijo leu
Letra a letra da história
Fica seca sem a tua
Continua na demora

Mas teu beijo, curandeiro
Dele esquivo sem demora
Fica aquele-que-não-foi

Pensa nele, nela - dois
E nela-minha-eu
Fica-sabe-não-é-teu

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Ansiedade

Há não muito tempo, uma certa vontade maior que qualquer outra coisa subia subia sem saber onde ia-dava. Era vontade de gritar, pular, rolar no chão, mostrar palavra, falar gesto, era vontade de tudo! O tudo que a vontade tinha era o nada que não queria que a tivesse. Mas tinha. Era olhar, imitar, criar, e fingir que era. Ou ao menos brincar de tentar.
No agora a vontade é dobrada. Palavra escapa, sulga, chega no pé do ouvido descalço. Olhos parecem não dormir, passam dia da noite sonhando. Eles gostam de sonhar. Viajam pelos mais belos campos cercados de bichos de prantos, e quando param pra observar algo de estranho, só piscam por desespero do cansaço, senão ficariam ali... Na contemplação do imaginário. E as pernas que sem esperar comando já saem rumo encontro do saber-não. Acho que isso explica porque fui atropelada tantas vezes (três!). Bom, o melhor é pensar-não na ansiedade de amanhã. Vamos conversar com a de hoje.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Na noite (do) ontem.

Quantas idéias!!! E a idéia de ter uma - imperava entre as mentes cercadas por ela. Questionamento, credibilidade, crenças, costumes - NADA. Tudo fora do dentro proposto da proporção do que o outro diz ser. Talvez a pergunta do que é "ser". Ou mesmo esquecimento do complexo deixado por tantos por dados na metafísica da memória - NADA. São ninguém. Completariedade do decisivo fardo alunático sacutório criados destas palavras. Do que pode ser ou não verdade dentro das possibilidades encaminhadas ao veredicto promissor do fim - NADA.
Quanta "quântica" quantica quantas quânticas???
E a sensação instintiva de ser o quanto aquele que quer ou ter o quanto pode ser. De entender o querer do possível prólogo oposto da mesma sensação. Da mesma tentação instigante de poder tornar-se poderia. O que pode ser - NADA?
"Só sei que nada sei."

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Pás na Terra

Parece querer dominar-te a ansiedade
Sobe corrente na alma
Valentia talvez, quem sabe
Nem sabe quando aquele dia
Noite do sábio sabia
Que nele encontrava a paz
Que por ele não quer seu cartaz
Só que seja posta a pá nas terras
E se trabalhe no interno tumulto
Aprenda-te a agradar sem quereres ser agradado
E compreenderá o quão é preciso, pra ti e pra eles
Segurar a pá
Deixa cavar, cavuca guardando lembrança doída
Alivia o pensar da consciência
Deixa passar o passo
Que no nosso encalço estás
Abre a janela e deixa-te espiar
Não temas só
Carregue a paz na pá
Enterre-la neles
Como semente ao germinar
Mas trata de cuidar
A flor não brota na terra pérfida
Não vinga se ao menos a sede saciar
Muita teoria atrofia a prática
O que é prática sem teoria?
Equilibra-te no cordão dos acordados
E segue com o passo calmo na busca de ter encontrado
O grão só é grão se só o grão for
É muito mais com irmãos
Colha-os na plantação que vingou
Distribua-os na terra errante
E cuida pra que cresça e germine em tantas Terras.